Lembrar de Ziraldo é lembrar de diversas coisas, entre trabalhos, inspirações, arte e sentimentos.

Cartunista, desenhista, ilustrador, criador de inúmeras obra seminais, o agora saudoso artista é lembrado especialmente por duas de suas famosas criações: O Menino Maluquinho e A Turma do Pererê.

Também se lembra bastante de Ziraldo por conta de sua verve cômica e ácida, utilizada especialmente em sua época de Pasquim, material esse muito crítico a politicagem brasileira, sobretudo a condução linha dura do Regime Militar iniciado em 1964.

O Pasquim era ácido e Ziraldo também.

Dentro da arte de histórias em quadrinhos, ele fez muita coisa. Essa é, sem sombra de dúvida, a manifestação artística cuja potência é máxima em sua carreira, com um destilar quase infinito de criatividade e talento em cada pedaço de papel.

Durante muito tempo se discutiu quem era mais importante para a formação de leitores, ele ou Maurício de Souza – na opinião desse cronista, é Ziraldo, não há nem como comparar, já que Ziraldo tem material para todas as idades, credos, classes sociais e padrões de vida.

Sua arte é universal e ao mesmo tempo é muito, muito brasileira.

Um dos fatores que mais chama a atenção em seu trabalho é que ele não subestimava seu público. Fossem crianças ou adultos, todos eram contemplados por ele, tratados como pessoas pensantes e espertas.

Outro tipo de trabalho consideravelmente bem lembrado foram os cartazes de filmes famosos.

Ziraldo fez parte do cinema, não só como fonte de inspiração – já que houveram traduções para o audiovisual de suas obras, como no filme O Menino Maluquinho de Helvécio Ratton, sequências e spin-offs desse, além do seriado divertidíssimo da Turma do Pererê – mas também com esses belos cartazes de filmes.

É possível achar arte dele em comédias, em obras “impuras” da pornochanchada, além de clássicos de Ruy Guerra, como Os Fuzis ou Boca de Ouro, com Jece Valadão.

A carreira de Ziraldo foi longeva. Há ótimos materiais dele na imprensa, em especial uma das últimas entrevista do Programa do Jô.

Ele e Jô Soares eram amississimos, tanto que tiveram várias conversas televisionadas em programas, além de tantos trabalhos juntos.

Quando Jô estava em seus últimos dias na Rede Globo, resolveu chamar o velho amigo. A conversa é em um tom delicioso, cheia de inconfidências, trocas de carinhos e valorização da arte. Vale a pena conferir.

Recentemente o estudioso em quadrinhos Alexandre Linck, do canal Quadrinhos na Sarjeta falou sobre o legado de Ziraldo, sobre o que ele fez e sobre o valor de sua obra.

Deixamos abaixo um corte de um vídeo dele, transmitido ao vivo no canal Bandnews.

Ainda falando sobre gibis, é uma pena que não haja um cuidado tão grande ao acervo de Ziraldo, quanto se tem com outros mestre da arte.

Editoras grandes publicam e republicam materiais de quadrinistas do eixo estadunidense, como Will Eisner, Stan Lee, Steve Ditko, Jack Kirby e Carl Barks. Até artistas europeus como Moebius, Alan Moore e Grant Morrison tem seus materiais lançado com diversos protutos, com preços baratos e outros em material de luxo, para colecionadores mais exigentes.

Tiras são compiladas, graphic novels, sagas, até quadrinhos de Maurício de Souza saem, inclusive, fora do eixo Panini, Abril ou Globo, que durante anos publicaram (ou publicam) os gibis mensais da Turma da Mônica. As tira de Horácio saíram pela editora Pipoca e Nanquim.

Já com Ziraldo não se tem esse mesmo esforço. Seria uma ótima sugestão, que se pensasse em relançar algumas obras, desde as mais longas, como outras curtas, como Jeremias, O Bom.

Esperamos, sinceramente, que esses materiais sejam reeditados e publicados, em material de luxo ou mais barato, para popularizar o trabalho do artista, para fazer ele ser lembrado e louvado tanto quanto merece.

Não há nada de positivo na morte de um sujeito tão querido e imortal como Ziraldo, mas pode-se, pelo menos, trazer de volta à tona sua obra, republicando materiais, para que chegue ao grande público, especialmente em escolas e em lugar que crianças frequentam.

Ziraldo também é sinônimo de valorização do folclore brasileiro. Em quase todas as suas histórias havia um pé na fantasia típica do país. Fosse na Turma do Pererê – que tem um Saci como protagonista – ou em outros projetos, sempre se falava das criaturas fantásticas nacionais, ligadas a diversas lendas de todos os cantos do Brasil.

Outro trabalho sensacional dele foi a ilustração dos times para o Campeonato Brasileiro de 1987, a Copa União, que o Flamengo de Zico ganhou.

Ziraldo era um rubro-negro convicto, muito flamenguista mesmo.

É uma pena que ele não seja tão lembrado e ovacionado quanto merece e é lastimável que sua carreira e trabalhos não estejam em fácil acesso para quem quiser ler a apreciar.

Ele ajudou a gestar até uma nova gama de cartunistas. Angeli, Laerte, Henfil, todos beberam da fonte de Ziraldo.

Segundo informações da família, o cartunista morreu nesse sábado dia 6/4. Ele tinha 91 anos e faleceu dormindo, quando estava em casa, no Rio de Janeiro, por volta das 15h.

A ele nossos louvores, homenagens e um muito obrigado Mestre, por tantos momentos lindos.