Em 1953, no dia três de março, nascia Arthur Antunes Coimbra, o lendário Galinho de Quintino, o camisa 10 primordial da Gávea e o nome que se tornou sinônimo de Flamengo: Zico.

Para muitos – especialmente para a Nação – ele é o maior expoente do futebol brasileiro pós-Pelé, mas há, até entre não flamenguistas, quem o veja assim mesmo.

Ídolos de grandes times do Brasil normalmente são odiados por outras torcidas. Dificilmente se verá um palmeirense gostando do craque Neto, Marcelinho Carioca ou Cássio, tampouco se ouve elogios de corintianos e santistas a figura do “Mito” Rogério Ceni.

Há exceções, claro, como é o caso do goleiro São Marcos, muito identificado com o Palmeiras, mas que é tão despojado e autêntico, que todas as torcidas têm alguma simpatia. O caso do ex-goleiro talvez tenha a ver também com o penta da seleção em 2002, mas vá lá.

Caso semelhante ao de Marcão é o do saudoso Roberto Dinamite, craque e artilheiro do Vasco, que foi amigo e contemporâneo de Zico.

A regra normalmente faz o rival odiar a figura lendária do adversário. Zico excede essa máxima.

Ele não é isento de críticas por parte de rivais cruzmaltinos, tricolores e botafoguenses, afinal, é expressão máxima do “flamenguismo”, mas ainda assim é visto pela maioria dos amantes do futebol como uma figura lendária, a despeito até do pênalti batido e perdido na Copa do Mundo.

Há muito tempo atrás, o jornalista Ricardo Gonzalez (o Gonza) teve a brilhante sacada de falar que, para o flamenguista, o dia três de março é equivalente ao Natal.

De fato é, afinal, foi o dia que o Messias vermelho e preto veio ao mundo. Zico foi o expoente máximo do time mais popular do Brasil. Um menino de origem humilde, que amava tudo relacionado ao Flamengo, que jurou defender essas cores, que recebeu as chuteiras do também ídolo e craque Carlinhos Violino e se tornou o ícone maior do time que sempre amou.

Ainda assim ele jamais se colocou acima do Flamengo. Craques do seu tamanho até teriam motivos para se julgar maior que um time ou outro – claro, não um time gigante como o Flamengo – no entanto, ele sempre tratou o rubro-negro como uma deidade, como uma entidade, objeto de louvor e adulação, mesmo tendo colaborado para tornar o clube em algo ainda maior.

Seu exemplo deveria ser seguido, tanto na dedicação quanto no respeito que prestava e presta ao clube. Zico é Flamengo e o Flamengo é Zico.

Chega a ser engraçado como a pessoa física do ídolo tem um nível de humildade enorme, que só perde em tamanho para a grandeza do seu talento. Ele é tão modesto quanto era bom dentro de campo.

Apesar de não ser um centroavante, Zico era artilheiro. Extremamente decisivo, campeão da primeira Libertadores do Flamengo, vencedor do Mundial de 1981, foi tetracampeão brasileiro, nos anos de 1980, 82, 83 e 1987, venceu alguns campeonatos estaduais em uma época que esse torneio era muito mais importante do que é hoje. Ainda fez história no Japão, como jogador, quando já estava praticamente aposentado.

Zico jogou na seleção brasileira, foi referência para uma geração que praticava um futebol belíssimo. Até hoje é lembrado por ter participado do melhor esquete canarinho que não venceu o troféu do mundial, mas é inegavelmente uma sumidade. Como dito pelo jornalista Fernando Calazans: “se Zico não ganhou a Copa do Mundo, azar da Copa do Mundo”.

Depois de parar de jogar, ele colaborou muito para o esporte.

Foi ministro de Estado, dirigente esportivo, chegou a trabalhar no Flamengo, mas saiu cedo (e sabiamente) afinal, poderia ter sua identidade confundida, tratado de maneira áspera pela torcida que um dia o ovacionou.

Zico não se permitiu ser vaiado, não se permitiu mostrar-se como um dirigente que erra, como um homem falho. Ele trabalhou no futebol, mas optou por fazer isso mais em outras praças e não no lugar onde mais brilhou enquanto atleta.

Há quem defenda que a sua saída da função de dirigente no Flamengo foi uma covardia. Esses, chamamos de hereges.

Ele foi inteligente, se muniu de sabedoria para consertar o rumo que não deveria ter tomado, já que o convite feito pela então presidenta Patrícia Amorim jamais deveria ser aceito, já que os erros  da gestão poderiam contaminar a sua imagem, tendo ele poder ou não para tomar decisões estratégicas no clube.

Basta ver a relação de amor e ódio quando Rogério Ceni atua como treinador do São Paulo Futebol Clube. É natural que o torcedor seja emotivo e culpe o ídolo. Como o ex-jogador também é humano, é natural que ele ceda a emoções que podem inebriar ou mesmo cegar o sujeito diante de decisões pontuais.

As carreiras de técnico/dirigente e jogador podem erroneamente se confundir e a imagem de uma das partes pode ser arranhada. É difícil separar isso e, do torcedor, só se espera emoção e não razão.

Um ponto que pouco se fala a respeito da carreira de Zico é o quanto ele foi bom treinador de futebol. Atualmente o Brasil tem uma predileção em trazer mão de obra estrangeira para os cargos de técnicos. Até a seleção brasileira flertou com isso. O Flamengo nos últimos anos também teve os seus, passando por aqui Jorge Jesus, Paulo Sousa e Vitor Pereira, etc.

Zico fez o caminho inverso, foi um treinador brasileiro exportado, trabalhou até na Europa. Ele fez parte da comissão técnica da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1998, anos depois se tornou técnico da seleção do Japão, classificando a equipe para a segunda fase da Copa de 2002. Seu time era consideravelmente bom, uma seleção de atletas versáteis, com bom preparo físico, mas que careciam de uma técnica mais apurada.

Depois ele treinou na Turquia, comandando o Fenerbahçe em sua época mais vitoriosa fora dos domínios turcos. Sob o seu comando, a equipe chegou até as fases agudas da Uefa Champions League, com um time repleto de talentos conhecidos do Brasil, como o meia Alex, os defensores Edu Dracena, Diego Lugano e Roberto Carlos (esse último, já bem veterano) e o artilheiro Deivid.

Também passou pelo Uzbequistão no Bunyodkor, dirigiu o CSKA Moscou da Rússia, o Olympiacos da Grécia. Trabalhou também no “mundo árabe”, na seleção do Iraque e no Al-Gharafa, do Catar. Participou do embrião da liga indiana, comandando o FC Goa. Atualmente é dirigente no Kashima Antlers do Japão.

Zico marcou época por onde passou. Teve momentos de baixa também, cometeu erros, possivelmente para se humanizar, para dar o exemplo aos seus fiéis e súditos de que um homem pode brilhar, apesar de suas falhas humanas.

É um imortal do panteão da bola, uma figura lendária, motivo de muitas músicas, poesias, livros e filmes. Aos crentes na obra de Arthur Antunes, desejamos um dia de paz e de louvor a essa figura tão lendária, que merece sempre ser lembrada.

Enfim, para a torcida, um feliz Natal!

Deixamos aqui também a entrevista do Galinho ao Voz do Ninho, junto ao nosso Pablo Raphael.

SRN